quarta-feira, 27 de junho de 2012

Em meio a cigarros e cerveja, um amor.

Está quase me caindo uma ficha. 

No começo eu não pensei que fosse tão grave, but things are getting worse. A ideia de que se tem algo o qual a cura atinge uma porcentagem bem menor do que nos filmes é, no mínimo, desconfortante. Ainda mais em grau de metástase. Mas WHAT A FUCK, Natália, que merdas você tem?

Eu não, meu avô. 

Não me lembro da primeira vez em que o vi, nem de suas primeiras palavras pra mim. Lembro que acordava às quatro da manhã meio de mau humor e ia fumar no quintal, vendo o dia clarear em Itanhaém, São Paulo. Minha vó acordava por volta das seis e lhe fazia café. Ele ia até sua poltrona preta, em frente a televisão, e acendia outro cigarro. Enquanto ele lia um livro, ela tomava o café da manhã quieta. Mas não pensem que eles não conversavam, eles conversavam e bem... Até que ele ia para o bar.

O bar ficava na rua ao lado, e ali ele jogava dominó e bebia cerveja, cachaça e o que mais viesse. Tudo isso em companhia de amigos igualmente fumões, beberrões e escandalosões. Todos mais ou menos da mesma idade, com margem de erro de uns cinco, sete anos no máximo. Lembro da face de um em específico. Barrigudo, tetudo, mas com olhos verdes. Esse cara devia ser bem bonito quando não era um cara de bar. Meu avô era cara de bar, mas magro e moreno. Eu ia ao bar de vez em quando, meu avô me deixava pegar uma bolacha e eu pensava "nossa que legal, o cara do bar deixa eu pegar bolacha de graça e nem faz meu avô pagar!". Ah, a infância...

Enquanto isso minha vó começava a rotina de lavar, passar, limpar e cozinhar pro chefe de família. Eu não ficava muito com ela, curtia brincar e me sujar na rua de areia (isso, areia! Thats beach baby!). Mas ela sempre se dedicou muito por mim, pelo meu avô e por qualquer um que ia a sua casa. Mulher incrível essa, de sabedoria incrível. 

Bom, meio dia chegava e meu avô chegava também. Com um humor melhorzinho, brincalhão, e com pouca fome - mas querendo comer. A mesa já estava servida, e almoçávamos enquanto o Globo Esporte gritava na televisão. Meu avô terminava o almoço, terminava de assistir ao Globo Esporte e ia dormir. Dormia até as três da tarde. Então se levantava um pouco recuperado do álcool. Acendia um cigarro e... Voltava pro bar. Às vezes ele ficava em casa, e me lembro de quando andava de bicicleta na casa da minha avó, que é cercada por um corredor, e ele sentado em um dos cantos - fumando. Vou colocar uma estrelinha aqui porque essa parte vai mostrar no final pra você, leitor, que meu avô me ensinou uma das coisas mais fodas da vida em uma frase. (*****)

A parte da tarde é um replay da manhã. Eu brincando na rua, minha avó limpando, e meu avô bebendo. Minha avó me grita pra entrar umas seis da tarde. Tomo banho, café da tarde, jantar... E meu avô chega umas oito. Acho bêbado uma palavra tão feia... Mas é, ele voltava bêbado. 

Dificilmente o via falando muito enrolado, e nunca o vi dar um vexame. Quer dizer, não lembro de nenhum vexame. Acontece que eu sabia exatamente quando ele estava bêbado: era quando ele estava extremamente brincalhão e de bom humor. Eu adorava né, pô, avô bacanão e eu adorava. Ele dormia cedo, nove no máximo. Eu ia para a cama e escutava minha avó contar as mil histórias de sua mocidade e sua luta na vida difícil. Rezávamos, e eu dormia.

Os dias se seguiam assim, sem mudar nada. Vez ou outra meu avô e minha avó iam ao Centro para pagar contas, fazer compras, etc. 

Mas meu Deus, Natália, seu avô era alcoólatra! 

Sim. E é o alcoólatra que eu mais amo na vida. Essa vida regada a cerveja, pinga e cigarro não tiram da minha cabeça o cara incrível que ele é. Ele é e sempre será o amor da minha vida.

 (***************) HORA DAS ESTRELINHAS (**********)
Andando de bicicleta na casa da minha avó eu era radical. Porra, eu era um moleque! Corria, me ralava. Até que, no dia citado lá no meio do texto, eu caí numa curva. Cai legal, eu pra um lado e bicicleta pro outro: assustei. Meu avô deu uma tragada, olhou pra mim, deu um sorriso e disse: "Levanta e continua, ué". Coisa mais simples da vida, a lágrima do olho voltou. Eu peguei a bicicleta e continuei meu trajeto. PORRA NATALIA, QUE APRENDIZADO FODA É ESSE? Ah, vai dizer que você não sacou o clichê? Você pode levar quantos tombos quiser, feios e leves, o negócio é o seguinte, my dear: levanta e continua, ué.

Neste ano meu avô foi diagnosticado com câncer. Em metástase. Isso quer dizer que essa porra tá toda espalhada dentro do amor da minha vida. 

Sinceramente? Essa ficha me caiu agora, enquanto escrevia esse texto. Ele é magro, fraco (vô, a sua alma pode ser forte, e é, mas teu corpo tá fraco). Qualquer febre ou complicação pode ser fatal. E eu estou morrendo de medo. Meu vô faz parte de mim, faz parte do que eu sou, faz parte do que eu quero ser. Ele é inteligente, trabalhou pra caralho. Só de imaginar minha vida sem ele, eu choro.

Ainda não imaginei minha vida sem ele, ainda não chorei.

Diante dessa história toda, o ponto que motivou esse post não foi a doença do meu avô em si, mas o que eu refleti sobre ela. 

E se você descobrisse que tem pouco tempo de vida?
Estou falando de meses contados. Tipo "Darling, você tem três meses de vida". Tanto ódio, rancor e inimizades que você guarda hoje no coração, se manteriam? Para quantas pessoas você deixou de dizer que ama, que adora? Quantas boas ações você fez (para os outros, não para si mesmo)? Quantas vezes deixou de comer chocolate porque engorda? O que você deixou de dizer? Quem você manteria ao seu lado? Quem você privaria desse sofrimento?

Pensei nisso enquanto trabalhava, e me escorreu uma lágrima. Ninguém viu, mas escorreu. E meu coração apertou... Apertou porque a ideia de morte, pra mim, é apenas uma passagem. Mas para mim é uma coisa... E quando a coisa é com quem é próximo, tão próximo que você não se imagina sem?

Não estou dizendo que meu avô vai morrer. Estou me proibindo de pensar nisso, sobre isso, ou qualquer coisa parecida. Pode acontecer? Pode. Mas pode ser que ele se cure, e que ele largue o álcool e o cigarro e vá mais à praia. Ele nunca vai à praia. Pode ser que ele assista mais filmes, leia mais livros, jogue mais vôlei (esqueci de dizer, mas ele é um atleta do caralho que ganhou uma porrada de medalhas), enfim, VIVA. Não que ele pare totalmente de beber, uma cerveja socialmente é bem aceita até pela sua neta aqui, cara! Só não quero que ele gaste seu dinheiro comprando outro maço de passagens para o fim depois que se curar.


Força, vô. Eu amo você.
(Aqui ele estava sóbrio e divertido. Poucas vezes o vi assim. Viu vô? Você é um cara foda e não precisa se entupir de cigarro e bebida pra isso!)





N.



segunda-feira, 11 de junho de 2012

Num apartamento



"Num apartamento perdido na cidade
Alguém está tentando acreditar
Que as coisas vão melhorar
ultimamente.
A gente não consegue
Ficar indiferente
Debaixo desse céu"






Ele é pequeno, assim, do nosso tamanho (mediano, porque você é muito alto e eu muito baixa). Tem as paredes claras, não temos dinheiro para tinta, mas temos dinheiro para quadros coloridos baratos. Ele não é muito iluminado, típico paulistano. Tem um ar meio sóbrio, meio misterioso. O chão ainda não é o nosso taco, mas é um piso gelado e você vive brigando comigo pra que eu coloque o chinelo - que eu sempre esqueço. O teto também é claro, às vezes uma aranha ou outra se coloca no canto, e você morre de rir com meu desespero para que ela não caia na minha cabeça enquanto tento tirá-la (sem matá-la) da nossa casa. A sala é simples e aconchegante, com um ou outro objeto decorativo que ganhamos, você sabe que eu ainda vou decorar nossa casa inteira com utensílios da Imaginarium e de outras lojinhas similares modernex por aí. O sofá de três lugares - o único na sala - é confortável e não tem as bolinhas que eu odeio (frescura, eu sei). Nossa TV é pequena, nosso dvd é antiquado, mas nele & nela assistimos mil filmes piratas comprados na calçada do prédio. Uma mesinha de centro abriga nossos pés que, gelados, se encostam para trocar calor. Não temos tapete ainda, você morreria com tapetes peludos e não quero você longe de mim. Troco o tapete pelo seu corpo, mais confortável, quente e meu. Temos uma cortina na janela, escura, pra que você não esconda seu lindo rosto no cobertor toda vez que o sol aparece e estamos dormindo na sala. 

Nós ainda não temos mesa de jantar, apenas uma mesinha pequena na pequena cozinha. Três cadeiras: uma pra você, uma pra mim e outra pros nossos pés. Preguiçosos de carteirinha (por influência minha) temos um microondas e diversos congelados na geladeira. Nela também ficam umas cumbucas de comidas feitas por nossas respectivas mamães, que morrem de medo que morramos de fome - como se um Wooper Duplo não matasse nossa fome e alimentasse nosso amor. Na cozinha ainda existem um fogão doado por uma das suas trezentas tias, uma pequena geladeira que ficava nos fundos do meu quintal, cinco panelas novas de presente da sua mãe, copos-pratos- talheres de presente da minha. Nossa lavanderia é atrelada à cozinha, separada por uma cortina de penduricalhos (presente da minha madrinha). Até termos nossa lavadora, lavamos nossas roupas na casa da minha mãe (que tem aquela secadora ótima). 

Um armário não muito grande e uma cômoda: esse é o nosso quarto. Nos livramos (ok, eu me livrei) de boa parte das roupas para que a mudança fosse simples e confortável. A cama deixa seus pés de fora, e eu improvisei um banco retangular na beira para que seu pé não fique jogado no ar. Temos dois cobertores e dois edredons, os cobertores são meus e os edredons são seus. Seu travesseiro é mais alto que o meu - quando eu o uso. Prefiro muito mais seu peito.

O banheiro é disputado no horário da manhã: os dois querem sair logo e você demora demais pra arrumar esse seu cabelo. Dividimos o espelho e o box (mania sua de me fazer tomar banho de manhã). Escovas de dente lado a lado, representando o nosso nós. 

E o fio dental - que a gente nunca usa.